Desafio-me

Na tarde de sexta-feira, no meio da balbúrdia que é tomar conta de uma sala apinhada de putos que vêm a correr da escola, ainda de mochila às costas, para ir para a Internet jogar, tive um daqueles momentos de inspiração que não me assolavam o espírito há mesmo muito tempo...
Enquanto olhava para o registo de presenças para controlar os tempos de permanência de cada um (períodos de meia hora), via quem teria de sair e dar lugar aos próximos e ouvir as reclamações recorrentes "Já??", próprios de quem não tem noção de que 30 minutos passam a voar quando estamos a fazer algo de que gostamos.
Depois de mudar os pc's de mãos, sentei-me de novo no meu pc e olhei para o blog que tinha no ecrã.
Com as minhas novas funções, veio "em anexo" a responsabilidade de dar continuidade a um blog do projecto, que deveria não só falar do projecto em si, mas também de quem dele usufrui. Pelo menos é como eu acho que deva ser.
Tinha quatro jovens sentados à entrada, à espera de vez (daqueles jovens assíduos, estão sempre ali batidos), e ao olhar para eles tive o tal momento de inspiração que resolvi arriscar.
Apontei o dedo a dois deles, e com o mesmo olhar que me conhecem da foto do perfil, disse: “Tu e tu! Venham cá…”.
Aproximaram-se da minha mesa com ar de “que fiz eu agora?...”.
Mandei-os sentarem-se na minha frente, virei o ecrã para eles e em traços largos disse-lhes o que tinha ali.
“A estrutura já está. Para os conteúdos gostava de contar com a vossa ajuda…”
Continuavam a olhar-me como se eu fosse louca, sem entenderem muito bem porque carga de água eu queria um blog sobre o Vale.
Até que usei palavras mágicas…
“Quero pôr o Vale no mapa! Vocês não acham fixe mostrarmos que o Vale não é apenas bandidos? Podemos mostrar ao país todo onde fica o Vale e o que tem de bonito e bom…”
Não tem preço o brilho que vi nos olhos deles!
“O que achas da ideia, Braima?” - Ele sorria e os olhos não escondiam que já borbulhavam ali ideias.
O Celestino foi o primeiro a dizer que achava uma boa ideia.
“Posso contar convosco?”
“Claro!”, “Comigo sim.”
Após uma troca de ideias, fui chamada ao fundo da sala para resolver mais uma daquelas disputas de meia hora, e de lá vi que ficaram os quatro a conversar.
Quando regressei, já tinha propostas na mesa!
Falaram-me de fotos de grafittis bacanos sobre amor, solidariedade, etc. Dispuseram-se a fazer inquéritos de rua, trazer receitas de culinária dos países de origem, criarem passatempos, concursos de desenho, e mais, e mais, e mais…
Confesso que não estava à espera de uma reacção tão imediata.
Perto das 17:30 comecei a pedir que desligassem os pc’s, e os putos mais novos, para não variar, tentam sempre negociar “mais cinco minutos”. Quando consigo pôr todos na rua, ligar o alarme e fechar as portas, murmuro entre dentes que “os sacanas dos putos fazem-me perder o autocarro!”.
O Celestino ouviu e disse: “Nós não deixamos o autocarro ir” e sai disparado a correr em direcção ao largo.
Caminho na mesma direcção enquanto acendo um cigarro, e quando chego ao largo lá estão os quatro na paragem.
- “Hoje não perde o autocarro! Ainda não chegou.”
Entrei no autocarro de sorriso na cara e a pensar que mais uma vez me desafiei. Vim para casa com algum orgulho...