Sexta-feira vista de Domingo à noite

Posso dizer que correu bem.
Percorri um curto caminho que sempre me pareceu mais longo, até chegar ao meu destino. Com uma chamada fui avisada de que teria de ficar por ali mais um pouco.
Entrei no café mais próximo, sentei-me de chávena, caneta e bloco.
Dedilhei algumas sílabas, sensações que regressavam, como eu àquelas paragens. Não só distantes no tempo.
Rapidamente me aborreci, guardei tudo na mala e saí porta fora, mais decidida a fumar um cigarro do que em continuar a escrever. Muito haveria a debitar, apenas não teria tempo, não teria cabeça para o que se seguiria.
Dez minutos decorridos, surge a F., sempre sorridente, sempre falando baixo quando as coisas são entre nós.
Apresentou-me o espaço, o projecto, os miúdos.
Não fiquei encantada com a possibilidade, confesso. Foi mais uma visão de janela a abrir-se do que a realização de um qualquer sonho.
A sala funciona numa cave, num bairro de risco. Ao chegar ao cimo das escadas, numerei mentalmente todos os locais propícios a emboscadas (vício antigo!) e acreditem: tem inúmeros!
A "população" olhou-me desconfiada, mais uma braquela no bairro. Abstraí-me nas explicações que a F. me ía fazendo acerca do serviço desenvolvido e a desenvolver.
No fundo, nada a que não esteja habituada, se bem que prefiro a vertente 100% formação. Pura.
Tarde dentro, fui ficando, semi-fascinada com o respeito recíproco que vigora naquela sala. A forma ordeira com que entram, assinam a folha e ficam sentados à espera da sua vez para se sentarem frente a um computador.
Os mais novos vinham pedir desenhos impressos para pintar enquanto esperam. Ordeiros…
Após uma chamada rápida que recebeu, a F. diz-me que "ele" me quer conhecer. "Ele", o director. Apesar de termos marcado para hoje, a possibilidade da nossa reunião estava ainda meio no ar (falhei eu primeiro, era justo). A F. recebeu instruções para "não a deixar sair enquanto eu não chegar! Quero conhecê-la!".
Mais um cigarro na rua, enquanto esperava. Dos prédios em redor chegavam-me aos ouvidos aqueles ritmos africanos que me destroem por completo (desculpem, mas não suporto mesmo!).
Uns 10 minutos se passaram até que "ele" chegou. Um homem de meia-idade, de andar despachado e nada de apertos de mão.
"Estou com pressa, mas queria muito conhecê-la. Se a F. não pára de me massacrar com o seu nome, achei por bem dar-lhe um rosto."
Entre conversa, passou os olhos pelo meu CV, ía acenando com a cabeça e em jeito de pergunta, lança à F.: "Ahh, vocês foram colegas na mesma empresa!"
"Sim, mas antes disso foi ela uma das minhas formadoras. Já anda nisto há mais tempo do que eu e experiência não lhe falta."
Mesmo naquele jeito que apenas a F. consegue imprimir naquilo que quer dizer. O "ele" compreendeu.
A páginas tantas, já com um assunto pendente entre eles para resolver, um dos putos mais novos assoma à porta, com o ar mais triste do mundo (ou daquela sala, pelo menos) e com a voz carregada de desolação queixou-se de que o computador onde estava sentado não acedia a determinado site.
Por fracções de segundo, cruzámos o olhar e sem eu nem a F. nos apercebemos, acudi o puto. Nada me foi pedido, apenas o natural instinto de já o estar a fazer. E soube-me tão bem. De novo.
Não me apercebi quando a F. e "ele" passaram por mim e saíram. Foi na rua que os encontrei.
- "Segunda-feira, ou eu ou a F. ligamos para si."
- "OK, fico a aguardar."
Virando-se para a F.: "Pões a mão na bíblia, não pões?"
Sorrisos cúmplices entre os dois, e dela para mim.
Daqui a pouco vou dormir, quando acordar será segunda-feira a sério.
Sim, estou à espera de um telefonema…

♀♀Smootha ♀♀