Pérola

PitaPata - Personal picturePitaPata Cat tickers

sábado, 28 de fevereiro de 2009

Os meninos dos meus olhos

Ontem foi dia de compras. Martírio enfim... Ainda acabei por ser "arrastada" por 3 grandes superfícies, mas o argumento de "pelo bem da economia doméstica" e "os do X são bem melhores e no Y não tem disto", lá aguentei a gincana. Faço-me valer do "levas tu o carrinho!".
Na segunda incursão consumista, andava a passear pelo corredor do álcool (não etílico, entenda-se), quando ouço na outra ponta do corredor, em coro pouco-celestial de vozes masculinas, um "oi teacher!".
Percorri-lhes as faces safadas, recordando o nome de cada um, os meus motards bem-comportados, últimos objectos do meu sadismo formativo.
Tal como sempre o fizeram na sala disposta em U, não se moveram de onde estavam, fazendo-me desfilar até onde se encontravam. Foi bom reencontrá-los e senti-me "de volta" por não ser apenas lembrada pelo meu nome, mas pelo que transmiti.
Passei com eles, durante meses, 3 noites por semana, até às 23. Alguns já me chegavam ali podres de cansados, algumas vezes com a cantada do "p'ra semana podíamos desmarcar, temos a concentração para preparar..." à qual acedi, com a promessa do "tem de ir lá ter connosco beber uns canecos e assistir ao strip!" e na semana seguinte ouvir uns "seja meiga connosco... não dormimos há três dias".
Lembro-me do primeiro dia de formação. Eles já me tinham visto antes, na apresentação do projecto, e tentaram medir-me. Viram uma miúda sentada na lateral da sala de apresentação do projecto, sossegada, calada e de ar meio envergonhado sempre que o meu superior se referia a mim, como competente e mais meia dúzia de patacoadas com que sempre me puxou o lustro ao ego quando me sabia indispensável (lamentou mais o perder-me do que eu à empresa, mas isso são outros quinhentos).
Quando me entraram na sala pela primeira vez, peitos inchados e blusões de cabedal, a empilhar carolos no fundo da sala, fiz a primeira avaliação psicológica do grupo. Vi onde estariam os "galãs", os "fala-barato" e mentalmente anotei-os.
Enquanto se sentavam e sossegavam permaneci calada, manuseando a quantidade absurda de papelada que cada turma necessitava.
Não sei se já repararam, mas demora pouco até que "notem" que já deviam estar calados. Resulta sempre (soube mais tarde que o meu "olhar inquisidor" ajuda - quando me disseram esta fiquei para morrer!).
Comecei por lhes dar as boas noites, foi quando se aperceberam de ter entrado pela sala sem o terem feito. Com algum embaraço corresponderam-me, pedindo desculpa pela falha. Falei-lhes de "regras", de "limites", com a graciosidade que me era permitida, sempre falando a sério sem largar o sorriso dos lábios (é um sorriso nervoso, acaba sempre substituído pelo outro).
O primeiro período da sessão decorreu calmo, apenas ouvi a minha voz e a deles apenas quando lhos solicitava, pedindo colaboração para que me fosse permitido descansar as cordas vocais (bem precioso nesta profissão).
Quando fizemos a pausa a meio da sessão, saíram todos, ficando perto da porta do centro de formação, a fumar e a comentar (mal eles sabem que os ouvia sem grande esforço):
- "Dizias tu que era gado manso? Gado bravio, meu amigo, gado bravio..."
Com o tempo aprenderam que o gado bravio até era porreiro, além de transmitir ideias fixes e tal e até se desenvolveu um clima de camaradagem sem igual, cumplicidade e uma larga variedade de private jokes.
-"Não consigo fazer isto...." - desabafava o ZR com aquele vozeirão que quase me arrancava o coração do peito, no meio da sala silenciosa.
Em meia dúzia de passos executados rapidamente e explicados quase ao ouvido, resolvi a situação e perguntei:
- "Entendido?"
Um olhar pouco convincente:
- "Teacher, posso levá-la para casa?"

Sem comentários:

Enviar um comentário

Related Posts with Thumbnails